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Educação


Artigo (I)
Artigo (I)

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa visou a analisar a Escola Nova no Brasil e o seu influxo na LDB de 1961, culminância da disputa entre ensino público e privado. Era período de industrialização e de urbanização acelerada, representadas pela hegemonia de interesses elitistas. O escolanovismo, de tendência funcionalista e positivista apoiava uma burguesia vitoriosa, com a qual muitos faziam aliança esperando o rápido progresso do País. As análises mostram uma complexidade da questão com muita evidência. Análises originadas das teorias anti-reprodutivistas da sociologia crítica da educação, do pensamento de matriz marxista ou de uma fenomenologia libertária. Num País com altos índices de analfabetismo, o planejamento educacional tinha de ser levado a sério por quem quer que fosse, mas a problemática envolvia grande complexidade, como se poderá ver. O referencial, dialético, não aceita simplificações. Superação do tradicionalismo, como apareceria na explicitação do dualismo escola tradicional / escola renovada (terceira parte) não significaria submissão dócil aos planos elitistas burgueses. Os Manifestos escolanovistas também não explicaram bem qual era a revolução burguesa planejada que iria redundar em justiça para com as maiorias trabalhadoras (segunda parte). O reprodutivismo dos jogos ideológicos e da corrida ao lucro, que historicamente revela a face ambígua da Escola Nova (primeira parte) também não podia convencer as massas populares, a menos que, era claro, o jogo de sedução emergisse com força total, força que teria de ser a de uma escola muito bem assistida ou a dos planos de propaganda sofisticados. Sobretudo no primeiro desses casos, não caberia esperar de planos burgueses, pois para os conservadores de elite estaria significando desperdício e irracionalidade.

O final do século XIX e o início do século XX constituem um período marcado por inovações tecnológicas várias, com avanços da Medicina e de outras ciências. Prometia-se vida mais longa para um maior número de pessoas. Mas os avanços da indústria de guerra chocavam o mundo, perplexo diante de marchas e contramarchas: ora era a ciência para a vida, ora para a morte. Educadores também procuraram introduzir idéias e técnicas que tornassem o processo educativo mais eficiente e mais realizador para o ser humano.

O movimento educacional conhecido como Escola Nova surgiu para propor novos caminhos a uma educação que a muitos parecia em descompasso com o mundo das ciências e das tecnologias.

Em um mundo de transformações, muitos sentiam que precisavam inovar, “aprender a aprender”.

Para alguns, a Escola Nova, pois pretendeu promover a pedagogia da existência, superação da pedagogia da essência. Tratava-se de não mais submeter o homem a valores e dogmas tradicionais e eternos, não mais educá-lo para a realização de sua “essência verdadeira”. A pedagogia da existência se voltaria para o individuo: único, diferenciado, interagindo com um mundo dinâmico. O caráter psicológico da pedagogia da existência faz apresentar o educando, ou a criança, como o verdadeiro sujeito da educação. Desse modo, a Escola Nova se recusa a considerar a criança uma miniatura do adulto, um adulto inacabado. Ela vai atender a criança a partir das especificidades da sua natureza infantil.

 

1. O CONTEXTO DA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA NOVA

1. 1 - História da educação, uma história econômica.

A Escola Nova chegou a afirmar-se como um movimento mundial pelas últimas décadas do século XIX, quando também se consolidou a democracia liberal, entendida esta, afinal, como “vitória dos países democráticos sobre as monarquias autoritárias e conservadoras” (Arruda, 1988: p. 286). Dessa consolidação se pôde falar a partir da Grande Guerra (1914-1918), sobretudo.

O brasileiro Anísio Teixeira elaborou comentários sobre mudanças nos países onde essa democracia liberal já se instalara de longa data. Por exemplo, Inglaterra e França. Ali, os sistemas de ensino foram unificados a fim de favorecerem os alunos carentes. Contudo, os alunos que desejassem freqüentar escolas particulares recebiam o apoio de bolsa de estudos, numa flexibilidade que facilitava a livre transferência do sistema público ao sistema particular. Era um movimento educacional que se inseria no processo de industrialização e de desenvolvimento que os países centrais já viviam: abertos a estímulos ideológicos, buscavam orientação e meios, em vista de cobrir as necessidades de mão-deobra produtiva e rendosa nas fábricas. À escola caberia equipar-se para atender ao contingente de trabalhadores, ao setor operário, e os países mais desenvolvidos incentivaram, portanto, a expansão da escola pública (1976).

2 - John Dewey: educação experimentalista

O escolanovismo norte-americano, como também o brasileiro, está ligado a certas concepções de John Dewey, que acreditava ser a educação o único meio efetivo para a construção de uma sociedade democrática. Na concepção de John Dewey (1959, p. 93), há dois elementos que se põem como critérios de orientação para a democracia. O primeiro: mais numerosos e variados pontos de participação no interesse comum, como também maior confiança para reconhecer que os interesses são fatores da regulação e direção social. E o segundo: uma cooperação mais livre entre os grupos sociais, antes isolados tanto quanto voluntariamente o podiam ser, e também a mudança de hábitos sociais e contínua readaptação e ajuste dos grupos às novas situações criadas pelos vários intercâmbios. Para Dewey, são precisamente esses dois pontos que caracterizam a sociedade democraticamente constituída.

Quanto ao aspecto educativo, Dewey observa: a realização de uma forma de vida social, em que os interesses se interpenetram, e o progresso, ou readaptação, é de importante consideração, torna a comunhão democrática mais interessada que outras comunhões numa educação deliberada e sistemática. O amor da democracia pela educação é um fato “cediço”. Dewey explica de dois modos. Primeiro, uma explicação superficial: ‘que um governo que se funda no sufrágio popular não pode ser eficiente se aqueles que o elegem e que lhe obedecem não forem convenientemente educados. Segundo, acrescenta: uma vez repudiado o princípio da autoridade externa, à sociedade democrática se deve dar a aceitação e o interesse voluntários como substitutos, e unicamente a educação pode criálos.

Continua-se lendo Dewey (1959, p.93): uma democracia é mais do que uma forma de governo; é, principalmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada.

A filosofia de Dewey – ver o Prefácio curtíssimo dele mesmo, na obra que aqui vem sendo discutida – revela sua relação com o método experimental nas ciências, com as idéias de evolução nas ciências biológicas, bem como sua relação com a reorganização industrial. Dewey passou a interessar-se, pois, pelas mudanças de matéria e método na educação, que esses desenvolvimentos determinavam. E foi nesse espírito que a Escola Nova ingressa no Brasil também. Havia aqui uma burguesia industrial disposta a abraçar o seu ideário.

Cada um dos ideários escolanovistas tem de ser compreendido a partir da situação social e econômica em que foi gerado. No Brasil havia vontade, fazia tempo, de acelerar a industrialização. E já corriam rápidas as transformações que exigiam uma escola preparada para o “novo”, para a vida industrial. Passou-se a esta justificação: as desigualdades sociais poderiam ser superadas se houvesse escolarização adequada a promover a mobilidade social. Era a escola como representante da pedagogia liberal, pedagogia estreitamente ligada à teoria política e econômica da burguesia.

Portanto, a corrente da Escola Nova já nascia convencida de que a verdadeira democracia poderia ser instaurada a partir da “escola redentora”. Expressão da “ilusão liberal”, segundo a qual todos garantiriam seu “lugar ao sol” se houvesse esforços e não faltasse o talento.

Anísio Teixeira foi o mais importante seguidor das idéias deweyanas no Brasil, grato que pelas aulas recebidas do mestre nos Estados Unidos na década de 1920. Ante a sociedade moderna em transformação, Teixeira entendia a escola como chamada a inserir na sociedade indivíduos aptos a agir segundo os princípios da própria liberdade e da responsabilidade diante do coletivo. Considerado um expoente da educação brasileira, participou realmente dos movimentos pela educação entre os anos 20 e 70. Suas obras tanto mereceram enaltecimento como foram alvo de críticas. Ele defendia, com a laicidade na educação, outros princípios que assimilou das teorias de John Dewey, William Kilpatrick e William James, entre outros.

O pragmatismo norte-americano de Dewey recusava os sistemas fechados, com pretensões ao absoluto, e se voltava para o concreto, para os fatos, para a ação. Tendo conhecido tais teses, Teixeira se deixou absorver especialmente pelas idéias de ciência e de democracia. Com estas idéias, ele, como Dewey, apontava a educação como o canal capaz de provocar as transformações necessárias à modernização do Brasil.

Queria-se adotar o novo modelo de escola e de educação. Creu-se no ideário do movimento de Dewey, na sua proposta de uma escola centrada na atividade, na produtividade e na democracia, tudo associado, a seu jeito, com liberdade do indivíduo e direito de escolha que levariam a dar contribuições para a comunidade. Aportes pragmáticos que permitiriam instaurar a solidariedade social, a inteligente e perfeita comunicação entre os membros que ansiavam transformar a ‘Grande Sociedade’ na ‘Grande Comunidade’.

 

 

 

Anísio Teixeira traduziu, com Godofredo Rangel, a obra maior de Dewey, Democracia e Educação (1959). À época da publicar a tradução, escreveu:

 

Reputo a versão em língua portuguesa deste grande livro de John Dewey – o seu melhor livro sobre educação, na opinião do próprio autor – como uma inestimável contribuição à cultura popular brasileira. (...) – (...) não sei de livro mais salutar e mais promissor. Com efeito, o leitor encontrará nas suas páginas a revelação – e nada menos é preciso para o Brasil, hoje – do que é a democracia e dos meios de realizá-la.

 

No Brasil dos anos 30, pois, o escolanovismo se desenvolveu em meio aimportantes mudanças. Acelerava-se o processo de urbanização, mas também a expansão da cultura cafeeira. Prometia-se o progresso para o País, sobretudo industrial, mas também os conflitos de ordem política e social acarretavam uma transformação significativa da mentalidade brasileira. Muitos deixavam o campo em direção aos centros urbanos, tentando encontrar melhores condições de trabalho e de sobrevivência. O capital passava a ditar as regras a uma sociedade que devia ser ativamente produtora e conseqüentemente

consumidora. Não obstante fosse restrito o poder aquisitivo dos salários, abriam-se muitas frentes de trabalho, como também novas perspectivas educacionais. Educar a população, urbana e também rural, pareceu condição primeira para que se consolidasse a economia capitalista industrial e fosse garantido o desenvolvimento do País. O ensino seria exigência a todo trabalhador, que deveria adquirir um mínimo de instrução. Educação, assim concebida, ainda não era reputada um direito do cidadão. Era, sim, um instrumento em mãos das duas burguesias. Divulgada uma ideologia desenvolvimentista liberal, o Estado era colocado como o responsável pela educação de todo o povo.

Anteriormente, a educação escolar estivera especialmente associada à posição social do indivíduo, favorecendo somente alguns poucos privilegiados da elite, e servira para ajudar as pessoas a conservarem o próprio status ou a manterem o status quo.

NAGLE (1974, p.241) reconhece contributo social no liberalismo: junto com a instrumentação institucional de remodelação da ordem político-social, Nagle falou da quebra dos velhos quadros opressores do desenvolvimento da personalidade humana. O enraizamento da Escola Nova se processou conforme as idéias liberais, e então se pôde dizer que o escolanovismo representou, ortodoxamente, o liberalismo no setor da escolarização.