Elenice de Campos1
RESUMO
O presente artigo busca refletir sobre o ensino da gramática pautado na visão tradicional e na perspectiva interacionista da linguagem, a partir de teoriasque procuram elucidar o assunto. Para tanto, serão assinaladas algumas das concepções de linguagem e gramática e as teorias subjacentes a tais visões e sua relação com o ensino gramatical em sala de aula. Trabalhar gramática naperspectiva interacionista se torna essencial para que o trabalho com a língua aconteça de forma dinâmica e produtiva, viabilizando uma leitura, produção e análise textual proficientes e capazes de desenvolver a competência comunicativa dos educandos.
Palavras-chave: concepção de linguagem; ensino tradicional; análise
lingüística; competência comunicativa.
ABSTRACT
This article aims reflect about the taching of grammar based on the traditional view and interactionist perspective of language, from theories thatseek to elucidate the matter. For this will be marked some of the conceptions of language and grammar and the theories underlying such views and their relation
with the teaching grammar in the classroom. Working grammar in the interactionist perspective becomes essential for that the language happens in a the work with dynamic and productive form, enabling a reading, production and textual analysis proficient and able to develop the communicative competence of the students.
Key-words: conceptions of language; teaching traditional; analysis linguistics;communicative competence.
INTRODUÇÃO
A partir da década de 1980, estudos lingüísticos viabilizaram importantesdiscussões sobre o ensino da língua materna e reflexões acerca do trabalho realizado em sala de aula, no que tange ao ensino-aprendizagem da gramática.
No entanto, apesar das muitas discussões, dos artigos desenvolvidos, dasformações continuadas parece que ainda a questão central para os professores continua sendo “ensinar ou não a gramática” e “como fazê-lo”, persistindo-se, em alguns aspectos, uma prática pedagógica do estudo da palavra e da frase isoladas e sem sentido para o aluno.
1
Professora de Língua Portuguesa da Rede Pública Estadual, graduada em Letras Anglo, Especialista em Ensino da Língua Portuguesa , Literatura Brasileira e Portuguesa e Psicopedagogia, Docente desde 1990.
Sendo assim, os insucessos em sala de aula vão desde as angústias do professor de Português sobre como tornar suas aulas significativas, até em como desenvolver estratégias de ensino – aprendizagem que efetivamente produzam conhecimento lingüístico, desmistificando a idéia de que Português é uma
matéria difícil e enfadonha, que não contribui para a formação de alunos leitores e produtores de textos.
O que se percebe, então, entre a classe docente, é certa intranqüilidade no que se refere ao que ensinar em sala de aula e em como fazer para não cair na tradição da gramática puramente normativa. Alguns mestres entendem que não se deve ensinar gramática, outros, procuram introduzir conhecimentos gramaticais, tendo o texto como pretexto e há aqueles que procuram trabalhar a
gramática na visão interacionista, apesar da incerteza e imprecisão daquilo que se está entendendo como análise lingüística.
Durante muito tempo, o trabalho com a gramática esteve vinculado à concepção de linguagem enquanto instrumento de comunicação ou expressão do pensamento por meio de atividades que contemplam o ensino dos aspectos morfológicos, sintáticos, lexicais, semânticos; e, de forma mecânica e passiva, o aluno era levado a “decorar para a prova”. Essa prática passou a falsa imagem
de que o Português, em alguns aspectos, é uma matéria chata e cansativa e o professor sério e intransigente.
Nesse sentido, é fundamental que o professor tenha clareza das concepções de linguagem correlacionadas ao ensino gramatical, pois, como pondera Travaglia (2000), a forma como o professor de língua concebe a linguagem vai determinar sua forma de trabalhar a gramática em sala de aula. É
a conjunção dessas concepções que vai sustentar a prática docente e dar
sentido ao seu trabalho.
Em virtude do que fora exposto, pretende-se assinalar, na primeira parte
desse artigo, algumas das concepções de linguagem e de gramática. Na
segunda seção, algumas ponderações sobre o ensino da gramática nos moldes
tradicionais e sobre o ensino da língua na perspectiva interacionista. Finalmente,
na terceira parte, são analisadas algumas atividades retiradas de livros didáticos
de 7ª e 8ª séries.
1. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM
Além de outros autores, Travaglia destaca que há três formas de se
compreender a linguagem: a linguagem como expressão do pensamento,
linguagem como instrumento de comunicação e a linguagem como forma ou
processo de interação.
1.1Linguagem como expressão do pensamento
Conforme estudos de Perfeito (2007), a concepção de linguagem como
expressão de pensamento é sustentada pela tradição gramatical grega,
passando pelos latinos, pela Idade Média e pela Moderna, teoricamente só
rompida no início do século XX, de forma efetiva, por Saussure (1969). Tal
concepção preconiza que a expressão se dá, inicialmente, no interior da mente
dos indivíduos e que a exteriorização da linguagem dependerá da capacidade do
homem de organizar a lógica do pensamento, por meio de uma linguagem
articulada e organizada.
Nesse modelo teórico, a língua é encarada como um sistema de caráter
abstrato, homogêneo, estável e imutável. O texto, que ora se apresenta de
forma oral, ora de forma escrita, não depende em nada do esquema: para quê,
em que situação, onde, como, quando e para que se fala. Ou seja, o que importa
é expressar as idéias dentro de uma organização lógica do pensamento, sem a
preocupação com uma interação comunicativa. Conforme Travaglia (2002, p.21)
“a expressão se edifica no interior da mente e sua exteriorização funciona como
uma espécie de tradução do pensamento”.
Segundo estudos de Perfeito (2007), a concepção em pauta fundamenta os
estudos tradicionais da língua e parte da hipótese de que a natureza da
linguagem é racional, por entender que os indivíduos pensam conforme regras
universais de classificação, divisão e segmentação do universo, preconizando-se
uma doutrina fundamentalmente normativa do certo e errado. Essa visão de
linguagem permeou o ensino da língua materna no Brasil e foi mantida,
praticamente inconteste, até o final da década de 60, embora ainda apresente
repercussões no ensino atual.
Perfeito (2007) pondera que se há princípios gerais e racionais a serem
seguidos para a organização do pensamento, exigir-se-á clareza e precisão dos
falantes, pois as regras a serem seguidas são as normas do bem falar e do bem
escrever. Tratra-se, então, de um ensino de língua que enfatiza a gramática
teoriconormativa sob os moldes de: conceituar, classificar, para, sobretudo,
entender e seguir as prescrições em relação à concordância, à regência, à
acentuação, pontuação ortografia, etc., de forma que o eixo condutor das aulas
de Português são os itens gramaticais. Tal ensino, enfatizado até os anos 60, no
Brasil, apresenta-se ainda hoje na maioria das escolas, quase sempre
desvinculado das atividades de leitura e produção textual.
Segundo estudos de Travaglia (2003, p.30), Gramática normativa:
... é aquela que estuda apenas os fatos da língua padrão, da norma
culta de uma língua, norma essa que se tornou oficial. Baseia-se, em
geral, mais nos fatos da língua escrita e dá pouca importância à
variedade oral da norma culta, que é vista, conscientemente ou não,
como idêntica à escrita. Ao lado da descrição da norma ou variedade
culta da língua (análise de estruturas, uma classificação de formasmorfológicas e lexicais), a gramática normativa apresenta e dita
normas de bem falar e escrever, normas para a correta utilização oral
e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que não se deve usar
na língua. Essa gramática considera apenas uma variedade da língua
como sendo a língua verdadeira.
Esse conjunto de regras configura-se como uma espécie de lei que regula
o bom uso da língua em uma sociedade, considerando-se “erros” as outras
possibilidades existentes nas demais variedades da língua, conforme aponta
Travaglia (2002, p.30).
1.2 Linguagem como instrumento de comunicação
Segundo Perfeito (2007), a grande ruptura à concepção de linguagem
enquanto expressão do pensamento é observada em Saussure (1969), que
estabeleceu a célebre dicotomia langue/parole, ou seja, língua/fala, elegendo a
langue como objeto de estudo. Em oposição à parole, manifestação individual e
concreta dos falantes, sujeita as variações, a Langue é conceituada como um
sistema de signos, de caráter social, homogêneo, abstrato, internalizados na
mente do falante. A Langue paira sobre o falante, que a incorpora, utilizando-as
em situações reais e diversificadas de uso.
Assim, para Perfeito (2007), a língua passa a ser vista ahistoricamente,
como um código, um conjunto de signos que se combinam segundo regras e que
tem o papel de transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor, isolada
de sua utilização. Esse código deve ser dominado pelos falantes e utilizado de
forma semelhante, preestabelecido, convencionado, para que se efetive o ato
comunicativo.
De acordo com Travaglia (2002, p. 23), a dinâmica comunicativa dessa
concepção de linguagem se dá por meio da relação entre o falante e o ouvinte,
quando o falante tem em sua mente idéias a transmitir ao seu interlocutor.
Assim, ele a codifica (coloca-a em código) e a remete a outrem por intermédio
de um canal (ondas sonoras ou luminosas). O ouvinte capta os sinais enviados e
já codificados e os transforma em mensagens, informações, ocorrendo dessa
forma o processo da decodificação.
Tendo por base as pesquisas de Perfeito (2007), a concepção de linguagem
como instrumento de comunicação focaliza o estudo dos fatos lingüísticos por
intermédio de exercícios estruturais morfossintáticos, visando a internalização
inconsciente de hábitos lingüísticos, próprios da norma culta. Constatam-se tais
atividades em livros didáticos ou apostilas que apresentam exercícios mecânicos
como: siga o modelo, marque a questão certa, complete as lacunas, bem como,
em alguns compêndios, exercícios sobre o código, a mensagem, o emissor, o
receptor, etc. Observa-se também, nos livros do ensino médio, ao lado da
literatura, produção de técnicas de redação, teorias gramaticais, estudo sobre as
funções da linguagem, sem evidenciar, por exemplo, possibilidades de
entrelaçamento dessas funções, como em uma poesia lírica, em que a função
poética se relaciona com a emotiva.
O tipo de gramática mais apropriado a essa concepção é a descritiva por
fazer, conforme Travaglia (2002,p.24), uma descrição da estrutura e
funcionamento da língua, de sua forma e função, bem como registrar, para uma
variedade da língua, em determinado momento, as unidades e categorias
lingüísticas existentes, os tipos de construções possíveis e a função desses
elementos, o modo e as condições de uso dos mesmos.
A Gramática descritiva trata de explicar então, o mecanismo da língua,
construindo hipóteses que explicam o seu funcionamento. Nessa concepção,
saber gramática significa ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua:
as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção,
descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando suas regularidades.
1.3 A Linguagem como Forma de Interação
A terceira concepção de linguagem é definida como forma ou processo de
interação. Nessa visão o indivíduo atua, age, realiza ações por meio da
linguagem que não é apenas elemento de exteriorização do pensamento ou
mero transmissor de informações, mas agente de interação comunicativa pela
produção de efeitos de sentido entre os interlocutores em uma dada situação
comunicativa e em um contexto sócio-histórico e ideológico.
Travaglia (2002) pondera que a linguagem é assumida aqui em sua
dimensão histórica, social, humana e dialética, segundo a qual o homem e a
linguagem são inseparáveis. Em decorrência disso, reconhece-se o caráter
ideológico da linguagem, profundamente arraigado não só no sujeito, mas na
ação coletiva, configurando-se como forma de ação entre os seres humanos e
considerando as condições de produção do enunciado ou do discurso, no
processo interlocutivo.
Bakhtin (1986, p.113) descreve a linguagem sob a perspectiva de “ponte
lançada entre o homem e o outro homem”. Segundo ele, é através da palavra
que a pessoa se define em relação ao outro e à coletividade, pois esta é o modo
mais sensível e puro de relação social, de forma que:
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos eservem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É
portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de
todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenasdespontam, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos
estruturados e bem formados. (Bakhtin 1986, p.41)
Para Bakhtin (1986, p.17) a palavra funciona como uma espécie de
“indicador de mudanças” e se apresenta como o fundamento e a base da vida
interior e material privilegiado da comunicação. Sendo assim, defende que a
palavra procede de alguém e se dirige para alguém, orientando-se em função do
interlocutor. (1986, p.113).
Conforme Ferreira (2004), a partir da perspectiva interacionista da
linguagem e por conseqüência, da visão bakhtiniana acerca da palavra, é que
nasce o dialogismo, conceito que permeia toda a obra do referido autor. Segundo
a autora, Bakhtin diz que o diálogo é o princípio constitutivo da linguagem, o que
significa que em qualquer contexto comunicativo a linguagem está impregnada
de relações dialógicas, sendo o diálogo o meio de acesso entre os falantes. Para
Bakhtin, segundo estudos de Ferreira (2004), há duas noções de dialogismo: o
diálogo entre interlocutores e o diálogo entre discursos. “A interação ou diálogo
entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem: é na relação entre
sujeitos que se constroem a significação das palavras, o sentido do texto e os
próprios sujeitos” (Ferreira, 2004).
Bakhtin (1992, p. 297) postula que os indivíduos não se comunicam por
meio de orações, nem trocam palavras, mas trocam enunciados que se
constituem com os recursos formais da língua, de forma que a comunicação
humana se dá, segundo ele, pelos gêneros textuais, que são frutos de um uso
comunicativo da linguagem em sua realização dialógica.
Tomando como base os escritos de Cereja & Magalhães (2007, p.12), para
Bakhtin todos os textos que produzimos, sejam eles orais ou escritos,
apresentam um conjunto de características relativamente estáveis que
configuram diferentes textos ou gêneros textuais, ou discursivos, podendo ser
caracterizados por três aspectos básicos: o tema, o modo composicional e o
estilo.
Muitos docentes consideram ainda os tipos textuais, todavia, estes
abrangem poucas classificações como: narração, dissertação, descrição,
exposição, injunção. Já a noção de gênero textual refere-se aos textos
materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica, (Marcuschi, 2002). Diferentemente
dos tipos textuais, os gêneros que circulam socialmente e devem ser ferramenta
de ensino nas Escolas são inúmeros: carta familiar, ofício, propaganda política,
sermão, lista de compras, bilhete, e-mail, notícia de jornal, receita culinária,
edital de concurso, artigo de opinião, resenha, charge, piada, conto de fadas,
romances, conversas espontâneas, e muito mais, de forma que com o passar dos
tempos e em virtude da necessidade comunicativa, outros gêneros vão surgindo,
assim como outros vão desaparecendo, como por exemplo a carta familiar que
facilmente é substituída pelo e-mail.
Nessa ótica, o gênero discursivo é tomado como objeto de ensino da língua
e o texto como unidade de significação do ensino: elemento integrador das
práticas de leitura, análise lingüística e de produção e refacção textual. Podemos
considerar que na concepção interativa de linguagem o discurso, quando
produzido, manifesta-se por meio de textos e todo texto se organiza dentro de
determinado gênero discursivo.
Para Travaglia (2002), a concepção de linguagem em foco recebeu
contribuições de várias áreas de estudos recentes, que buscaram analisar a
linguagem em situações de uso, reunidas sob o rótulo de Lingüística da
enunciação: Lingüística Textual, a Teoria da Enunciação, a Análise do Discurso, a
Análise de Conversação, a Semântica Argumentativa , a Pragmática, a
Sociolingüística e a Enunciação Dialógica de Bakhtin.
Sendo assim, a concepção de gramática que associamos a esse enfoque
de trabalho com a língua é a gramática internalizada que consiste num conjunto
de regras que o falante realmente sabe e das quais se utiliza ao falar, numa
situação de interação comunicativa.
Para produzir expressões lingüísticas, um falante não atua nem por
imitação nem por invenção, mas acionando um conhecimento implícito adquirido
na comunidade em que vive. Nessa concepção não há erro lingüístico, mas a
inadequação da variedade lingüística utilizada em determinada situação de
interação comunicativa. Segundo Travaglia (2002,p.28-29):
Nesse caso saber gramática não depende, pois, em princípio de
escolarização, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático,
mas da ativação e amadurecimento progressivo, na própria atividade
lingüística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus
princípios e regras. Não existem livros dessa gramática, pois ela é o
objeto da descrição, daí porque normalmente essa gramática é
chamada de gramática internalizada.
Nessa concepção, para Travaglia ( 2000), não se concebe erro quando o
falante desvirtua as normas lingüísticas, mas inadequação da variedade
lingüística empregada num determinado contexto comunicativo, por esta não
atender aos princípios sociais de uso da língua e inadequação do uso de certo
recurso lingüístico numa determinada comunicação quando seria mais adequado
outro recurso.
Conforme escritos de Travaglia (2002), a gramática internalizada não
possibilita ao usuário da língua apenas certa liberdade de criações frasais, mas
atua em todos os âmbitos constitutivos da gramática da língua: os princípios de
construção, interpretação e usos de textos em conformidade com situações
diferentes de interação comunicativa, os princípios que regem a conversação e
muitos outros. Para tanto, a gramática internalizada é aquela que desenvolve
não apenas a competência gramatical do indivíduo, mas também sua
competência textual, discursiva, possibilitando-lhe a competência comunicativa.
2. O ENSINO DA GRAMÁTICA
2.1 O ensino tradicional da gramática
Ainda persiste no espaço escolar uma prática de ensino da Língua
Portuguesa pautada nos exercícios tradicionais de gramática, apesar da
necessidade de um trabalho mais reflexivo com a língua. Antunes (2004, p 19),
pondera que:
“Um exame mais cuidadoso de como o estudo da língua portuguesa
acontece, desde o Ensino Fundamental, revela a persistência de uma
prática pedagógica que, em muitos aspectos, ainda mantém a
perspectiva reducionista do estudo da palavra e da frase
descontextualizadas.”
O que se percebe, então, em muitas práticas de ensino da gramática, é
uma exercitação da metalinguagem por meio de atividades voltadas à
gramática normativa ou com preocupação descritiva.
Nas palavras de Faraco e Castro (2000):
A crítica básica e fundamental dos lingüistas ao ensino tradicional
recaiu sobre o caráter excessivamente normativo do trabalho com a
linguagem nas escolas brasileiras. Segundo essa crítica, as nossas
escolas, além de desconsiderarem a realidade multifacetada da língua,
colocou de forma desproporcional a transmissão das regras e conceitos
presentes nas gramáticas tradicionais, como o objeto nuclear de
estudo, confundindo, em conseqüência, ensino de língua com o ensino
de gramática. Aspectos relevantes do ensino da língua materna, como
a leitura e a produção de textos, acabaram sendo deixados de lado.
Antunes (2003, p.15) aponta a crítica de muitos pesquisadores e
estudiosos de que a Escola não capacita seus alunos para a leitura e
compreensão dos diversos gêneros textuais como: manuais, relatórios, códigos,
instruções, poemas, crônicas, resumos, gráficos, tabelas, artigos, editoriais e
muitos outros materiais escritos, bem como não os capacita para a produção
escrita desses materiais.
No que tange à oralidade, também se percebe muitas falhas, pois muitos
dos alunos não conseguem expressar seu pensamento em sala de aula,
participar de debates em que sua opinião crítica é importante, tampouco
opinarem sobre assuntos que exijam raciocínio e argumentação.
Grande parte dos professores de língua materna reconhece que a
linguagem deve ser considerada como sendo uma atividade comunicativa,
cognitiva e um objeto de análise, considerando-se as diferentes dimensões da
linguagem, ou seja, a dimensão discursiva, a dimensão semântica e a dimensão
sintática ou gramatical, já que tais conhecimentos são contemplados nos cursos
de Letras e nas formações continuadas. Entretanto, pela própria força da
tradição e da organização dos programas escolares, e até mesmo por perdurar
entre nossos docentes, mesmo que de forma inconsciente, uma concepção de
linguagem como expressão do pensamento, ou instrumento de comunicação, a
maioria dos professores de português adota, ainda, a compartimentação há
muito tempo estabelecida pelos próprios livros didáticos: redação, leitura,
interpretação, gramática, por meio de atividades de operação com a linguagem
(redação, leitura, interpretação) ou atividades de sistematização gramatical.
Assim, como resultado dessa postura, não há espaço para a reflexão
acerca dos fenômenos gramaticais (o por quê daquela pontuação, do emprego
deste advérbio, este tempo verbal, etc.); não se observa também o modo de
relacionamento entre as unidades da língua, as relações mútuas dos diferentes
enunciados, o propósito dos gêneros textuais, a relação entre os gêneros e seus
produtores e/ou receptores.
Exatamente porque alguns professores ainda concebem gramática como
sendo uma atividade normativa, ou porque muitos deles não sabem como
aplicar conhecimento lingüístico de outra forma, o que se pede são atividades
mecânicas: destaque, complete, classifique (palavras isoladas), exigindo-se
simplesmente que se decore conceitos, classificações morfológicas, sintáticas,
em detrimento de uma reflexão sobre os fenômenos lingüísticos.
Antunes (2003, p.31) critica essas aulas de português apontando o ensino
de uma gramática descontextualizada, amorfa, desvinculada dos usos reais da
língua. Uma gramática fragmentada, de frases isoladas, voltada para a
nomenclatura e a classificação das unidades, sem sujeitos interlocutores, sem
contexto, sem função, que não leva em consideração o desenvolvimento da
competência comunicativa dos falantes.
Para Travaglia (2002) a língua não pode ser concebida com uma questão
de certo ou errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem a
determinadas classes gramaticais que unidas formam frases, para se analisar
sintaticamente seus elementos. A língua vai além dessa ingênua constatação,
ela nos constitui e nos constituímos por meio dela, nos socializamos,
interagimos, desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo, a
uma sociedade. Por seu intermédio revelamos nossa identidade cultural,
histórica, social e ideológica, bem como, através dela, o indivíduo mobiliza
crenças, mexe com valores, institui e reforça poderes.
Segundo Antunes (2003, p.17), enquanto o professor de Português fica
apenas analisando se o sujeito é “determinado” ou “indeterminado”, por
exemplo, os alunos ficam privados de tomar consciência de que ou eles se
determinam a assumir o destino de suas vidas, ou acabam todos, na verdade,
“sujeitos inexistentes”, persistindo-se, assim, o quadro desolador do insucesso
no que tange à deficiência lingüística do educando, que se reflete, na maioria
das vezes, em outras disciplinas.
2.2 Ensino da gramática na perspectiva interacionista
Muitos estudiosos defendem que o estudo da gramática de uma língua é
parte integrante da formação e crescimento científico do aluno, pois é ela que
embasará os fatos lingüísticos que necessitam de explicação, justificação,
exemplos e argüição.
Para tanto, o estudo gramatical não pode e não deve ser abandonado do
ensino de qualquer língua, pelo contrário, deve-se pensar em um trabalho que
considere a língua como sendo o seu fundamento, por meio de atividades
gramaticais que proporcionem um campo vasto para o exercício da
argumentação e do raciocínio, de forma que o falante utilize um maior número
de recursos da língua de maneira adequada a cada situação de interação
comunicativa, sem criar, segundo Neves ( 2003), “... a falsa e estéril noção de
que falar e ler ou escrever não têm nada que ver com a gramática”.
Travaglia (2004, p.16), pondera que o ensino de gramática seja pertinente
para a vida e possibilite que a pessoa viva melhor por conseguir veicular por
meio da língua os significados e sentidos daquilo que chega até ela e de que
forma chegam, sendo capaz de perceber estratégias argumentativas,
significativas e de relação social e cultural concretizadas no dizer. Para o referido
autor, é importante que a pessoa consiga se colocar como sujeito nas relações
sociais, bem como utilize a língua para a consecução de seus objetivos.
Na avaliação de Antunes (2003, p.15), a participação efetiva da pessoa na
sociedade acontece, também, pela “voz”, pela “comunicação”, pela “atuação e
interação verbal”, enfim, pela linguagem.
Estudar gramática, levando em consideração essa formação comunicativa
do educando, passa a ser uma atividade prazerosa. Para que isso se efetive, faz-
se necessário transformar tais estudos num meio de se aprimorar a capacidade
comunicativa através de textos do cotidiano como: textos de jornais e revistas,
letras de canções, poemas, crônicas contemporâneas e outros gêneros, para que
o ensino de gramática se transforme num significativo recurso de
aprimoramento da leitura, interpretação e produção textual.
Segundo Vygostsky (1989):
...o estudo da gramática é de grande importância para o
desenvolvimento mental da criança... Ela não pode adquirir novas
formas gramaticais ou sintáticas na escola, mas graças ao aprendizado
da gramática e da escrita, realmente se torna consciente do que estáfazendo e aprende a usar suas habilidades conscientemente (...).
Todavia, aprender a língua e seu uso em diferentes situações de convívio
social, ou até mesmo no contexto escolar, implica sempre reflexão sobre a
linguagem, formulação de hipóteses e constatação de erros ou acertos no que
diz respeito ao funcionamento da língua. E quando nos inserimos em situações
de interação comunicativa essa dinâmica se faz presente, pois temos que nos
fazer entender e entender o outro numa perspectiva de correspondência
enunciativa para se efetivar então o ato comunicativo.
Nesses termos, a adoção de uma perspectiva textual – interativa, já que os
textos são o meio pelo qual a língua funciona, não só resolveria, segundo Kock e
Travaglia (1990, p.83):
... o problema de integração entre os diferentes aspectos do
funcionamento da língua na interação comunicativa, mas também
libertaria o professor da tradição metodológica em que ele se deixa
aprisionar pelo ensino da gramática como um fim em si mesmo.
Nas palavras de Mendonça (2006), “o ensino da gramática normativa é um
dos mais resistentes pilares das aulas de português e preocupação quase
exclusiva dessas aulas”. Para tanto, conforme escritos de Mendonça (2006), nas
últimas duas décadas vem se firmando um movimento de reorientação dessa
prática, questionando-se a validade desse “modelo” de ensino, de forma a
motivar o surgimento de uma nova proposta para o ensino da gramática
denominada análise lingüística.
O termo análise lingüística surgiu para denominar uma nova postura de
reflexão sobre o sistema lingüístico e sobre os usos da língua, com vistas ao
tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais discursivos.
Segundo Mendonça (2006), esse termo foi cunhado por Geraldi em 1984,
no artigo “Unidades básicas do ensino de português”, parte da coletânea “O
texto em sala de aula”-1984/1997-contrapondo-se ao ensino tradicional da
gramática com o intuito de firmar uma nova prática pedagógica.
A Análise Lingüística constitui-se numa reflexão explícita e sistemática
sobre a constituição e o funcionamento da linguagem nas dimensões sistêmica
(ou gramatical), textual, discursiva e também normativa, para se viabilizar o
desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, produção de textos orais e
escritos, bem como análise e sistematização dos fenômenos lingüísticos. No
lugar da classificação e identificação, ganha espaço a reflexão.
A partir de atividades lingüísticas (leitura, escrita e produção oral e escrita)
e epilingüísticas (comparar, transformar, reinventar, refletir sobre construções e
estratégias lingüísticas e discursivas, por meio de operações que se realizam
sobre a linguagem), ou seja, “considerar hipóteses sobre as condições
contextuais e estruturais em que seus textos e outros textos são produzidos,
oralmente e/ou por escrito (Diretrizes curriculares), o aluno poderá chegar às
atividades metalíngüísticas quando a reflexão é voltada para a descrição,
categorização e sistematização dos conhecimentos, utilizando-se nomenclaturas.
“Criadas as condições para atividades interativas efetivas em sala de aula, quer
pela produção de textos, quer pela leitura de textos, é no interior destas que a
análise lingüística se dá”. (Geraldi,1991, p.189).
Sendo assim, o que configura um trabalho de Análise Lingüística é a
reflexão recorrente e organizada, voltada para a produção de sentidos e para a
compreensão mais ampla dos usos e do sistema lingüístico, a fim de se
contribuir mais eficazmente para a formação de leitores/escritores de gêneros
diversos, aptos a participarem de eventos de letramento com autonomia e
eficiência.
Ao tomarmos o texto como unidade temática, a análise lingüística inclui
uma série de conhecimentos ligados à internalização de competências textuais.
Desse modo, dentro do que se denomina análise lingüística coexistem, por um
lado esforços de reflexão para aprimorar competências ligadas à composição
textual (adequação, coerência e coesão em gêneros discursivos), juntamente
com objetivos de ensino relativos às notações escritas como o emprego da
ortografia, da pontuação e à apropriação de formas usadas na norma de
prestígio, como por exemplo, o emprego da concordância verbo-nominal.
De acordo com Mendonça ( 2006), a perspectiva tradicional não nega a
necessidade de se refletir sobre a linguagem, a diferença entre ela e a
perspectiva da análise lingüística consiste em como acontece essa reflexão se
dá na escola, com que objetivos e com base em que aspecto. Por isso, para
definir sua ação pedagógica na direção e orientação do desenvolvimento das
habilidades textuais nos educandos, os professores de língua portuguesa
precisam ter compreendido e assumido uma concepção de língua enquanto
discurso, de língua escrita como atividade enunciativa, tendo clara a noção do
que é texto, textualidade, coerência, coesão, informatividade; dominar as
características e peculiaridades dos diferentes gêneros de texto escrito e as
exigências de diferentes portadores da escrita, tendo resposta clara à questão:
“para que se dá aulas de português a falantes nativos de português”?, Como
questiona Travaglia,(2002).
Mendonça (2006), salienta que a análise lingüística não refuta a gramática
das salas de aula, como muitos pensam, uma vez que o uso e a reflexão sobre a
língua não se dá sem gramática, pois, como afirma Antunes (2003) e Possenti
(1996): “não existe língua sem gramática. Nem existe gramática fora da língua”,
de forma que a análise lingüística engloba, entre outros aspectos, os estudos
gramaticais, mas num paradigma diferente, já que os objetivos propostos são
outros.
Por isso, analisa Mendonça (2006), numa perspectiva sociointeracionista
de língua, a AL constitui um dos três eixos básicos de língua materna,
juntamente com o ensino da leitura e da produção de textos, tendo como
proposta refletir sobre elementos e fenômenos lingüísticos e sobre estratégias
discursivas, focalizando-se nos usos da linguagem.
Geraldi (1997, p.74)) comenta que:
O uso da expressão “Análise Lingüística” , não se deve ao mero gosto
por novas terminologias. A análise lingüística inclui tanto o trabalho
sobre as questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a
propósito do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos;
análise dos recursos expressivos utilizados (metáforas, metonímias,
paráfrases, citações, discursos direto e indireto, etc.); organização einclusão de informações etc. Essencialmente, a prática de análise
lingüística não poderá limitar-se à higienização do texto do aluno em
seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a “correções”.
Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus
objetivos junto aos leitores a que se destina.
Conforme as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (p.37),
abandonando-se o formalismo gramatical, o texto será instrumento privilegiado
no ensino de língua na medida em que ele é, de fato, a manifestação viva da
linguagem. Nesse sentido, até mesmo o ensino dos aspectos normativos
estariam subordinados às atividades textuais de forma que as regras gramaticais
não seriam mais aplicadas por meio de frases soltas, abstraídas de contexto,
mas numa perspectiva de funcionalidade gramatical.
Sendo assim, quanto mais variado for o contato dos discentes com os
diferentes gêneros textuais, mais fácil será a assimilação das regularidades que
determinam o uso da norma padrão, bem como a leitura do texto a partir de
seus elementos constitutivos como a organização, coerência, coesão, clareza,
objetividade, entre outros.
Dessa forma, se dará a ampliação da capacidade discursiva por meio de
atividades práticas que levem o aluno a compreender outras exigências de
adequação da linguagem como a argumentação, situacionalidade,
intertextualidade, informatividade, concordância, regência e informalidade, como
apontam as Diretrizes Curriculares (p. 36).
Ainda segundo as Diretrizes (p. 37), a questão central não é se o professor
pode ou não trabalhar a gramática normativa, mas, em que medida ele dá conta
da complexidade textual. Considerando a interlocução como fio condutor para as
atividades com o texto, os conteúdos gramaticais devem ser estudados a partir
de seus aspectos funcionais que constituem a unidade de sentido dos
enunciados, dando-se ênfase não somente à gramática normativa, mas
considerando também, a descritiva e a internalizada no processo de ensino da
Língua Portuguesa.
Assim, tendo o texto como foco central de suas aulas, o professor deverá
formular atividades que conduzam os alunos à reflexão acerca dos diversos
gêneros, bem como propor atividades que priorizem o texto do próprio aluno,
tais como: revisão, reestruturação e refacção textual. Esse estudo permitirá ao
professor explorar as categorias gramaticais, porém, não se enfatizará a
categoria em si, mas sua função para a construção de sentido, que se efetiva
quando o leitor é capaz de fazer demandas, elaborar perguntas, considerar e
levantar hipóteses, questionar, fazer observações acerca do uso de
determinados elementos lingüísticos.
E isso só é possível quando o trabalho com a língua se dá no âmbito do
texto, pois, de acordo com estudos de Kuhn e Flores (2008):
A prática de análise lingüística, portanto, não pode se restringir ao
estudo da oração, mas deve contemplar a linguagem no seu aspecto
de enunciado, de unidade constitutiva de um gênero discursivo.
Embasando-se nas Diretrizes Curriculares, pode-se afirmar que quando o
professor assume a língua como interação, em sua dimensão discursivo-textual,
certamente criará oportunidades para o aluno refletir, construir, considerar
hipóteses, a partir da leitura e da escrita de diferentes textos, criando condições
para que o próprio aluno caminhe para a construção de sua competência textual.
Sendo assim, “o ensino da nomenclatura gramatical, de definições ou regras a
serem construídas, com a mediação do professor, deve ocorrer após o aluno ter
realizado a experiência de interação com o texto.” (Diretrizes Curriculares, p.27).
Nesse sentido, tendo em vista a importância da reflexão gramatical em
sala de aula, bem como de que em muitos casos a prática de análise lingüística
não se consolida nas aulas de Português, geralmente porque grande parte dos
professores dessa disciplina não sabe como proceder nesse sentido, propõem-se,
a seguir, algumas análises de atividades, retirados de livros didáticos, buscando-
se a implementação da proposta desse artigo, ou seja, elucidar como se dá a
prática de análise lingüística em sala de aula.
3. ANÁLISE DE ATIVIDADES GRAMATICAIS EM LIVROS DIDÁTICOS
O propósito desse estudo é levantar os pontos favoráveis e desfavoráveis
a respeito das atividades propostas para o ensino fundamental, extraídas dos
livros didáticos atuais, apontando-se também outras propostas que podem ser
aplicadas em sala de aula, para se efetivar a análise lingüística.
O texto em anexo (Não deixe a natureza ir embora, p. 165) retirado do livro
Língua Portuguesa: rumo ao letramento (8ª série -2008) de Gusso e Finau,
apresenta algumas questões para a análise do texto, como podemos comprovar
nas atividades da p.166 e propostas de produção na página 167.
À título de exemplificação serão apontados alguns aspectos dessas
atividades, tecendo-se pontos positivos e negativos das mesmas, considerando-
se a análise lingüística:
A questão nº. 1 suscita certo conhecimento de mundo que o aluno traz,
quando pergunta qual pássaro faz esse tipo de ninho. Essa questão pode levar a
uma conversa inicial sobre qual pássaro está em extinção por exemplo,
motivando os alunos a participarem da “conversa”, desenvolvendo-se a
oralidade, porém, se não for com esse intuito, pode não ser tão significativa.
Como a atividade nº 2 pede apenas que o aluno dê o significado da
palavra escrita na placa, limita-o a dar a resposta e não o instiga a pensar no
efeito de sentido do verbo que aparece justamente numa placa ao lado de um
ninho. Seria interessante que o aluno percebesse a relação existente entre a
palavra e a imagem para inferir outras possibilidades de leitura da palavra, bem
como a intertextualidade presente aí. Outra relação importante é entre o sentido
da palavra “fui” com o próprio título do texto.
A atividade 3 aciona a habilidade de leitura, já que o aluno precisará
perceber qual é outro problema da urbanização sem planejamento. Dar resposta
a essa pergunta parece fácil para leitores um pouco mais experientes, mas para
alunos que estão iniciando no processo de leitura e análise das idéias do texto
pode ficar um pouco difícil, especialmente no que tange à verbalização de sua
resposta, importante nessa atividade.
As propostas da questão nº 4 são simples para se iniciar uma discussão
sobre rima, gênero poético. No entanto, o texto é capaz de proporcionar outras
reflexões, de forma que o professor pode explorar outras possibilidades de
análise lingüística, como por exemplo: qual a função da palavra mas em: “É um
adeus invisível, mas sensível”. Também é possível discutir qual o sentido das
expressões “ adeus invisível” e “adeus sensível”, e a carga de significação para
o texto, impregnada nas palavras “facilmente e gratuitamente”.
No exercício 5, pede-se a intenção da repetição do pronome possessivo
“nosso (a,as)”. Essa atividade vai contribuir para que o aluno também se
perceba responsável pela preservação.
A última atividade dessa página pede que os alunos produzam um
desenho. É importante mostrar que mesmo por meio do desenho temos a
oportunidade de explorar e desenvolver nosso senso crítico, expressar nossas
idéias, passar uma mensagem. Seria interessante mostrar que o desenho é um
tipo de linguagem e também um texto passível de leitura, portanto não deve ser
elaborado sem propósito nenhum, apenas para cumprir uma tarefa escolar.
A partir de um gênero textual outras estratégias de ensino da língua
podem ser aplicadas pelo professor, conforme a necessidade e o nível da turma.
Portanto, o texto em questão apresenta outras possibilidades de estudo, tais
como:
a) Descobrir qual o sentido da expressão: “Dê um click e plante uma
árvore agora mesmo”, considerando-se o sentido da palavra em negrito.
b) Qual a função das vírgulas em : “... nossas fontes estão secando,
silenciosas, vítimas da erosão...”
c) A palavra na placa expressa uma mensagem de alguém. Quem pode ser
o autor dela? Que idéia essa palavra expressa para nós?
d) Podemos identificar em algumas partes do texto verbos no imperativo,
como em: “Não deixe a natureza ir embora”. Qual a intenção do autor ao usar
esse modo verbal?
e) A que gênero textual pertence esse texto? Quais as características
desse gênero?
A primeira atividade da página 167 traz inicialmente uma explicação da
ilustração da página anterior. Em seguida vai novamente explorar a linguagem
visual por meio do desenho. Uma proposta interessante para se atrelar às aulas
de Artes, em que o aluno poderá desenvolver mais especificamente suas
habilidades para o desenho.
Em seguida vem a proposta de produção textual. Uma oportunidade para
aquisição de informações sobre a realidade ambiental de sua cidade, como
também dos mecanismos de produção textual, pois, após levantamento dos
dados, os alunos devem organizá-los e apresentá-los à turma. A proposta da
escrita de uma narrativa ficcional também vai desenvolver outra habilidade de
produção, uma vez que aguçará a capacidade imaginativa, através do uso da
linguagem literária, os elementos lingüísticos típicos desse gênero textual como
o tempo verbal, elementos da narrativa, o recurso da descrição, a estrutura
textual, coerência, coesão.
A próxima análise tem como base o texto “Como armar um presépio”(
p.14), retirado do livro didático: Textos & linguagens de Simões & Santos (2006),
recomendado para a 7ª série. A propósito do texto, várias atividades de
interpretação foram propostas, mas serão apontadas apenas as que se referem
ao trabalho com a gramática, a fim de se verificar de que forma esse estudo é
apresentado.
Na página 16, mais especificamente a questão 2 (a, b, c, d ), a atividade
solicitada diz respeito à estrutura do texto, pedindo ao aluno que aponte quantos
versos e estrofes há no poema, se os versos rimam entre si. Em seguida, pede-
se que o aluno identifique, no poema, as características de outro gênero textual,
a partir da forma como o poema foi estruturado, ou seja, características das
receitas ( gênero instrucional). Outra questão referente a esse texto
especificamente, pergunta por que não há lista e a quantidade dos materiais não
é determinada.
Quanto à primeira atividade: ( versos, estrofes, rimas ) é importante que o
aluno os reconheça no texto, no sentido de perceber a estrutura do gênero
poético, porém, se o professor encerrar por aí, vai configurar apenas como uma
atividade de identificação das características textuais e não a uma reflexão
sobre o estilo do autor; sobre a forma como ele construiu seu texto, ou seja,
iniciando-o com letra minúscula, terminando o período no verso seguinte,
usando o recurso da separação silábica ( versos 8º/9º ).
As próximas atividades levam o aluno a perceber as características de um
texto de receita, presentes no poema em questão. Essa intergenericidade
presente no gênero textual analisado, deve conduzir o aluno para o
reconhecimento das diferenças entre esses gêneros textuais no que tange à
linguagem, à escolha das palavras, à criatividade, à sensibilidade, à intenção do
autor quanto à escolha das palavras e ao sentido que deseja transmitir por meio
delas.
Mais adiante, na página17, as questões 8,9,10 fazem referência aos
substantivos e verbos usados na construção do poema. O exercício 8 pede que
se observe se os substantivos usados são concretos (normalmente empregados
numa receita), levando o aluno novamente ao processo de identificação das
palavras, sem a reflexão em torno do sentido que ela encerra, nem tanto em
relação ao uso das palavras adequadas a cada gênero textual.
As atividades formuladas na questão 9 referem-se ao emprego do verbo. O
aluno, percebendo a ordem em que as ações aconteceram, vai compreender que
a função do verbo, nesse caso, é apresentar uma seqüência de ações que podem
ser praticadas por qualquer pessoa, já que os verbos estão no infinitivo
impessoal. O professor pode aproveitar o momento para tecer comentários
acerca da função e circunstâncias de uso do verbo impessoal.
O próximo desafio diz respeito às locuções verbais, levando o aluno a
identificar e classificar as locuções presentes no texto, mas não os motiva a
pensar sobre a função do advérbio nos diferentes gêneros textuais. Mais uma
vez cabe ao professor ampliar as possibilidades de estudo da linguagem por
meio de questionamentos que favoreçam a compreensão dos recursos
lingüísticos, nesse caso, a locução adverbial.
A intenção da atividade 11 é que o aluno perceba a linguagem empregada
na poesia. Pode-se considerar uma oportunidade para se mostrar a diferença
entre linguagem conotativa e denotativa e em que gênero cada uma delas é
empregada. Dessa forma, o aluno assimilará outro aspecto que difere um gênero
poético de um gênero instrucional.
Prosseguindo a análise, focamos na atividade 12 que aborda aspectos
concernentes à pontuação do texto. Pede-se apenas que o aluno copie e pontue
o texto conforme seu entendimento. Nessa atividade, o professor pode
aproveitar para explorar mais o assunto, questionando a intenção do autor,
quando optou por não pontuar o texto no seu desenvolvimento, procurando
perceber qual efeito de sentido que a falta de pontuação oferece ao texto tanto
no aspecto da interpretação, quanto à entonação de leitura, bem como o por quê
de o texto terminar com um ponto de interrogação.
Outra sugestão de atividade que o professor pode desenvolver com a
classe é o sentido da repetição do verbo “esperar” a partir do 18º verso até o
23º.
Na página seguinte do mesmo livro (18 / 19), as autoras apresentam a
unidade “Revisando a Gramática” em que são abordados elementos da sintaxe,
mais precisamente os verbos transitivos e seus complementos e os verbos
intransitivos. Nesse item, a gramática foi trabalhada de forma normativa, nos
moldes: classifique os verbos das orações, indique seu complemento e
classifique-o.
Esse modelo de atividade não é proibida nas aulas de Português, no
entanto, se antes o professor não trabalhar as questões gramaticais atreladas
aos gêneros textuais, uma atividade como essa fica sem efeito para o aluno,
uma vez que o mesmo não vai entender a função dos elementos sintáticos no
âmbito textual.
Após análise das atividades supramencionadas, observamos que as
mesmas contemplaram, de certa forma, a análise lingüística do texto, levando a
uma reflexão em torno dos mecanismos gramaticais usados para a construção
textual e/ou suscitando essas análises. Entretanto, no que diz respeito ao estudo
da sintaxe (p. 18 / 19), caiu no normativismo ao propor atividades de
metalinguagem, em que o aluno é levado à prática mecânica em torno da língua.
CONCLUSÃO
Considerando o que fora apresentado nesse artigo, pode-se concluir que a
prática de análise lingüística é um tanto complexa, uma vez que depende em
muito de um vasto conhecimento da língua e de uma postura de empenho e
força de vontade por parte do professor, em promover a mudança de sua
concepção de linguagem e, por conseqüência, de sua prática em sala de aula.
Para tanto, o professor de Língua Portuguesa precisa, antes de qualquer
coisa, conhecer as novas teorias que embasam os estudos lingüísticos. Como
afirma Antunes (2003, p.108), “o professor precisa ser visto como alguém que
pesquisa, observa, levanta hipóteses, analisa, reflete, descobre, aprende,
reaprende”. Seguindo essas recomendações, o docente deixará de seguir à risca
as lições do livro didático e passará a criar, a construir seus conhecimentos,
abandonando a tradição de “esperar que lhe digam o que fazer”. (Antunes,
2003, p.108).
Manini (2007), citando Rojo, salienta que há um certo descompasso entre a
formação docente e as atuais propostas de ensino da Língua Portuguesa, pois
grande parte dos professores não contemplou em sua formação acadêmica as
teorias sobre língua na perspectiva interacionista.
Contudo, uma nova postura do professor motivará os alunos a mudarem
sua maneira de encarar as aulas de Português. De meros espectadores, os
discentes passarão a co-produtores do conhecimento, interagindo com o
professor na busca dos mecanismos de leitura e produção textual.
Para Nicola (2007), “as atuais teorias lingüísticas e as propostas de ensino
da Língua Portuguesa apontam para o texto como objeto central de ensino”. Para
a autora, a prática de análise lingüística de um gênero textual se torna crucial
para que o professor considere o texto como eixo articulador de seu trabalho
com a língua. Sendo assim, é essencial que o professor de língua materna tenha
consciência de que atividades baseadas na análise de palavras e frases isoladas
não contribuem em nada para que o aluno assimile os processos de leitura e
produção textual, mas se configuram apenas em práticas mecânicas em torno
da língua que, por conseqüência, se tornam práticas insípidas e nem um pouco
significativas para a construção do saber. Para Antunes (2003, p. 121), “mesmo
quando se está fazendo a análise lingüística de categorias gramaticais, o objeto
de estudo é o texto”.
Kuhn e Flores ( 2008) lembram que tradicionalmente o estudo gramatical
focaliza o estudo das orações, por meio das palavras, dos morfemas e dos
fonemas. Essa metodologia de estudo da língua desconsidera, de acordo com os
autores, que alguém proferiu essa oração em uma determinada situação
comunicativa, ignorando-se, por conseqüência, que essa oração se caracteriza
como um enunciado. Sendo assim, não se leva a efeito a verdadeira função da
língua que é estabelecer a prática comunicativa entre os falantes.
Na perspectiva interacionista considera-se como essencial as relações que
se estabelecem entre os sujeitos no momento em que falam e não a
preocupação com o estudo das orações, frases e palavras descontextualizadas.
A análise das atividades dos livros didáticos mostra que a proposta de um
trabalho dentro da perspectiva interacionista da língua já está se efetivando nas
Escolas, mesmo que sutilmente. Mas ainda há que se amadurecer essa proposta
para que realmente o ensino da língua ganhe uma dimensão mais reflexiva e
significativa para a efetiva aprendizagem por parte dos alunos. O livro didático
deve ser encarado como um apoio pedagógico nas aulas de Português, mas isso
não significa que ele é o único instrumento de trabalho e que o professor deva
seguir fielmente as sugestões de atividades propostas, pelo contrário, pois a
partir das propostas pode-se propor reflexões sobre os aspectos lingüísticos e
novas atividades, de acordo com o nível cognitivo da turma e o planejamento do
professor.
Cabe ressaltar que o professor de Língua Portuguesa, do Ensino
Fundamental e médio, não dispõe de tempo suficiente para estudar com esmero
e preparar suas aulas dentro da perspectiva assumida nesse artigo, que requer
tempo, leitura e muita reflexão, anteriores ao processo de ensino –
aprendizagem. Além de ter que dominar o conteúdo proposto, o professor
precisa estar preparado para outros questionamentos que podem surgir em sala
de aula, de forma que uma preparação prévia é imprescindível a um trabalho de
qualidade.
Antunes (2003, p. 17), refere-se a esta questão deixando claro que em
nenhum momento deixa de reconhecer a falta de uma política pública de
valorização do trabalho docente, “reduzido, quase sempre, à tarefa de dar aulas,
sem tempo para ler, para pesquisar, para estudar”. Evidentemente que muitas
conquistas já foram alcançadas no estado do Paraná, todavia, muito há para se
fazer nesse sentido.
Todavia, essas questões não devem inibir uma nova postura do professor
no que diz respeito às práticas de análise lingüística. O tempo para estudar,
preparar aulas e até mesmo oportunidade de cursos sobre análise lingüística é
imprescindível, mas tudo isso deve estar associado à vontade do professor de se
debruçar em teorias que vão lhe dar suporte teórico, reorientar sua prática e
fazer a diferença nas aulas de Português.
Mendonça (2006), discute esse assunto comentando que quando
debatemos o ensino de língua materna não são apenas aspectos de ordem
lingüística que entram na pauta, mas a postura do professor, suas crenças e
visões sobre a língua. Para ela:
... ao optar por uma ou outra corrente teórica, por esta e não aquela
metodologia, valores e crenças são acionados, uma vez que a
identidade profissional de quem ensina é posta em xeque e, por
conseqüência, o valor que se atribui ao seu trabalho. O ensino de
gramática tem relação direta com as identidades construídas no
interior da escola e fora dela: o que é importante ensinar, o que faz umbom professor de português, como deve ser a aula de português, o que
deve se avaliar e como etc. Interligam-se, inevitavelmente, concepções
teóricas, sejam elas conscientes ou não, e escolhas metodológicas.
Sob esse prisma, fora proposto nesse artigo, com embasamento teórico de
vários estudiosos da língua, uma reorientação da prática lingüística, de forma
que as aulas de Português sejam aulas de fala, escuta, leitura e escrita de textos
(Antunes, 2003, p. 111), efetivando-se assim, a proposta de análise lingüística
nas aulas de língua materna.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Muito Além da Gramática: por um ensino de línguas sem
pedras no caminho. Ed. Parábola, 2007
_________________Aula de Português: Encontro & Interação. 2ª Ed., Parábola,
2003.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. (Tradução: Maria Ermantina
Galvão Gomes Pereira) São Paulo: Martins Fontes, 1992.
__________________ Marxismo e Filosofia da Linguagem – Problemas
Fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 3ª Ed. Hucitec.
São Paulo, 1986.
CEREJA, Willian Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:
Linguagens: 4ª série, Manual do professor. 1ª Ed. São Paulo: Atual, 2004.
FARACO, Carlos Alberto; CASTRO, Gilberto. Por uma Teoria Lingüística queFundamente o Ensino da Língua Materna. Educar em revista. Curitiba, V. 15,
p. 179 – 194, 2000.
GUSSO, Angela Mari Chamoski; FINAU, Rossana Aparecida. Língua Portuguesa:
rumo ao letramento, 8ª série: manual do professor. Curitiba: Base, 2006, 2ª
ed.
FERREIRA, Maria Beatriz. A Linguagem e os Processos de Enunciação,
Dialogismo e Polifonia. Ponta Grossa: V,7, nº 1, p. 67 – 75, 2004.
GERALDI, João Wanderlei. O texto na Sala de Aula. 2ª Ed. São Paulo: Ática,
1997.
________________________ Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
KOCK, Ingedore V. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência Textual.3ª Ed. São
Paulo: Contexto, 1990.
KUHN, Tanara Zingano; FLORES, Valdir do Nascimento. Enunciação e ensino: a
prática de análise lingüística na sala de aula a favor do desenvolvimento dacompetência discursiva. Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 43, n.1, p. 69 – 76, 2008.
MANINI, Daniela. Eixo da Reflexão, Conhecimentos Lingüísticos, AnáliseLingüística ou... Ensino de Gramática: O que propõem os PCNS, o que
trazem os LDPS. Ideação, Cascavel, v. 8, p. 153 – 160, 2006.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In:
Ddionísio Paiva, MACHADO, Anna Rachel, Bezerra, Maria Auxiliadora. Gêneros
Textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19 – 36.
MENDONÇA, Márcia. Análise Lingüística no Ensino Médio: Um Novo Olhar, Um
Outro Objeto. In Clécio Bunzen (org). Português no Ensino Médio e Formação
do Professor. 1ª Ed. São Paulo: Parábola, 2006, p. 199 – 226.
NEVES, Maria Helena de Moura. Que Gramática Estudar na Escola?: Norma
e Uso na Língua Portuguesa. São Paulo: Contexto
NICOLA, Rosane de Mello Santo. Prática Reflexiva e Ensino de Língua: Uma
Experiência de Estágio Supervisionado Alternativo. PUCPR / CPDE (Dom Bosco).
Apresentação em mesa redonda do VII Congresso Nacional de Educação SaberesDocentes – novembro, 2007.
PERFEITO, Alba Maria. Concepções de linguagem e ANÁLISE Lingüística:
Diagnóstico para proposta de intervenção. In: CLAPFL – I Congresso Latino
Americano de Professores de Línguas. Florianópolis: EDUSC, 2007, p.824 – 836.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola? Campinas, São
Paulo: ALD: Mercado de Letras, 1996.
SECRETARIA DO ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED. Diretrizes Curriculares da
Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná: Língua
Portuguesa. Curitiba, 2006.
SIMÕES, Márcia De Beneditto Aguiar; SANTOS, Maria Inês Candido dos. Textos
& Linguagens, 7ª série: livro do professor. São Paulo: Escola Educacional, 2006,
1ª ed.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensinoda gramática no 1º e 2º grau.1ª Edição. São Paulo: Cortez,2002.
_______________________Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez,2004.
VIGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes